sexta-feira, 18 de junho de 2010

Relações Sociais e Alimentação

Os alimentos se diferenciam também dependendo de idade, saúde, situação social e outras variáveis.

Em todas as idades, encontramos uma alimentação entendida como apropriada para aquela faixa etária, em função das representações sobre o significado do alimento conforme idade, sexo e papéis sociais.

A sociedade recomenda às crianças e aos jovens uma alimentação à base de vitaminas e proteínas, com a finalidade de compensá-las pelo desgaste de energia. As crianças e os jovens, no entanto, têm suas próprias idéias a respeito do que é mais agradável comer (...) Existe, neste sentido, um processo de socialização que procura mostrar a eles que tais alimentos podem ser gostosos, mas não nutritivos e podem ser prejudiciais (...)

Entretanto, essas questões passam pelo poder aquisitivo dos segmentos sociais, e nesse tipo de alimento, considerado não nutritivo, tem um espaço muito maior nas classes abastadas do que nas famílias de baixa renda.

Os adultos (...) já socializados dentro de certos padrões alimentares, vivem uma situação conflituosa entre comer aquilo que é apreciado em nossa cultura (...) Sabemos que os alimentos gordurosos devem ser evitados não só para impedir doenças arterioscleróticas, mas também para atender a padrões estéticos que valorizam o corpo magro e atlético.

Os velhos (...) Dependendo da classe social, podem fazer uso de regimes alimentares rigorosos (...) Outros, entretanto, que não possuem uma condição material privilegiada, continuam na dieta alimentar que sempre tiveram, ou até mesmo com um teor nutritivo inferior, pois a aposentadoria reduz o poder aquisitivo do trabalhador.

Não só existe uma comida especial para cada faixa etária como ela também constitui uma variável importante na diferenciação entre ricos e pobres. O conceito de pobreza e riqueza, do ponto de vista do pobre, passa pela ‘despensa cheia’. Rico é aquele que tem alimento em abundancia, pobre o tem em escassez e dele faz uso de forma diferente.

(...) o tipo de comida e o horário, assim como os hábitos alimentares, são considerados importantes marcadores das diferenças entre os pobres e os ricos.


Outros aspectos da comensalidade

Existem alimentos que são comida e outros não o são (...) não são comida porque não sustentam, não ‘enchem a barriga’, não satisfazem, não são ‘fortes’.

O pobre tem necessidade de sentir-se de barriga cheia (...)

Alimentos considerados leves, complementares, mas preferidos pelos ricos.

A ‘mistura’ ou uma comida variada pode, eventualmente, ocorrer no domingo, marcando assim o tempo de lazer, o tempo do não-trabalho, das reuniões familiares.

Senso comum

Informações necessárias para um regime alimentar que pode resolver os problemas de alteração de saúde, bem como evitar que eles ocorram.

Alimentos que fazem mal ao ‘fígado’ (...) órgão culpado de todas as indisposições digestivas. O outro grande responsável é a ‘vesícula’.

Para resolver os problemas provocados por esses órgãos, a sabedoria popular é rica em recomendar a inclusão de alguns alimentos, bem como a exclusão de outros.

Uma pessoa doente deve comer alimentos leves (...) e deve incluir nas dietas alguns chás que facilitam a digestão e agem diretamente sobre esses órgãos, como o chá de boldo.

Conceito de intoxicação como conseqüência da prisão de ventre ainda perdura nas representações... Disto aproveitam fabricantes, com propagandas tipo: ‘se está... tome...’
O uso de purgativo com a finalidade de limpeza ainda perdura entre os leigos.

O período de ‘resguardo’ da parturiente obedece a um regime alimentar severo para garantir a recuperação da mãe e a qualidade do leite para a criança (...) alimentos são indicados para restabelecer a parturiente, mas também para produzir leite de alto teor nutritivo (...) segundo as representações, a mãe que não se alimenta adequadamente pode até ter leite abundante, mas não satisfaz a criança, porque o leite é ‘fraco’.

segundo as representações, a mãe que não se alimenta adequadamente pode até ter leite abundante, mas não satisfaz a criança, porque o leite é ‘fraco’.

Normas no que diz respeito à mistura de alimentos.

Prescrições quanto ao horário de ingestão de certos alimentos.

Lógica da comensalidade brasileira

No ato de comer estão implícitas duas situações: ‘eu como para viver’ e ‘eu vivo para comer’.

‘eu como para viver’

É considerada apenas a instrumentalidade da ingestão de alimentos, ou seja, levam-se em conta os aspectos universais da alimentação (sustentar o corpo, obter energias e proteínas).

‘eu vivo para comer’

Quando (...) o ato de comer e a própria comida se revestem de aspectos morais e simbólicos (...)

O ato de comer obedece a regras de etiqueta (...) observadas pelos diferentes segmentos sociais.

Comer exageradamente e com muita freqüência é um indicativo de falta de educação, pois tal comportamento sugere uma pessoa ‘gulosa’, ‘esganada’, que só pensa em comer, aspecto que em ultima análise nivela o homem ao animal.

O brasileiro vive outras normas que recomendam várias refeições ao dia.

Os padrões culturais que orientam a comensalidade contem, simultaneamente, o ‘viver para comer’ e o ‘comer para viver’.

O ‘comer para viver’ e o ‘viver para comer’ se diferenciam fundamentalmente ainda que não sejam excludentes (...) o primeiro se relaciona com a sobrevivência, o segundo se relaciona com a vida social, isto é, o cotidiano familiar, casamentos, batizados, aniversários, reuniões políticas ou religiosas.

Modo de viver e pensar a comensalidade, não é o único (...) se manifesta diferentemente nas sociedades humanas.

Conclusões e considerações finais

Numa sociedade como a nossa, na qual a maioria da população é considerada de baixa renda, em que o poder aquisitivo é constantemente reduzido pelas crises socioeconômicas, o acesso ao alimento se torna cada vez mais difícil, fazendo crescer os problemas da subnutrição.

Problemas de alimentação inadequada podem ocorrer não só por razões econômicas (...) questão de estética (...) razões psicológicas (...) fatores culturais.

Seja pela abundancia de alimentos entre os ricos ou pela escassez entre os pobres, (...) por diversidade das condições de classe, regionalismos e tradições, existe um amplo campo de atuação profissional da nutrição em face da realidade brasileira (...) várias situações que enumeramos servem para o nutricionista pensar a diversidade sociocultural.

Procuramos demonstrar é que os hábitos alimentares obedecem a um código não só econômico ou utilitário, mas principalmente simbólico.

Necessária (...) uma conscientização por parte dos especialistas da saúde para que se entendam as especificidades das situações consideradas, as quais sempre passam pela dimensão simbólica dos grupos.

Perspectiva da complexidade

O homem não vem geneticamente preparado para a vida social; ele necessita dos elementos culturais para informar sua ação (...) precisa estar inserido num processo simbólico, do qual é criador e criatura (...) que vai lhe dizer (...) o quê, quando, com quem, onde e como deve comer. Isso é muito mais complexo do que simplesmente satisfazer o instinto da fome (...) este último desempenha um papel importante em relação ao sistema simbólico. É da dinâmica entre ambos que se atualizam os hábitos alimentares (...) é correto dizer que o alimento carrega um valor ao mesmo tempo utilitário e simbólico.

A proibição ou prescrição de alimentos (...) teoria popular, repousam numa certa observação e experimentação, (...) apesar de se diferenciarem dos modelos científicos oficiais, não devem ser consideradas irracionais ou desprovidas de uma lógica e/ou de uma consistência interna, mas (...) devem ser captadas pela riqueza que contem.

Cabe, portanto, ao nutricionista evitar uma postura dominadora, em que o seu saber cientifico é o verdadeiro e o do cliente é ignorante ou rebelde (...) não deve levar o seu conhecimento pronto ao grupo, mas construí-lo a partir do saber do outro.

Relação nutricionista-cliente: é aparentemente muito familiar; no entanto, o nutricionista, ao tentar estabelecer uma dieta alimentar, percebe a complexidade do processo (...) esse cliente já é expressão de um código simbólico que o orientou nas suas ações, inclusive na prática alimentar, e já tem uma série de representações sobre os alimentos, apreendidas no contexto social em que foi educado. Fundamental, portanto, uma postura relativizadora.

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