Lucila Rupp de Magalhães (*)
Ela já se foi. Foi e não foi; porque, na verdade, está sempre comigo. Nunca deixou de me socorrer nas horas de sufoco, tristezas ou inesperados. Bastava só mandar um recado:
- Diga a Madalena que estou precisando dela.
Ela sempre vinha prontamente. Negra. Cabo Verde. Bonita. Feliz. Risonha. Era doutora no que sabia. Bastava chegar e tudo parecia melhorar.
Quando eu lhe agradecia, ela respondia:
- Não carece, dona Lucila. É só uma troca de farinhas.
Ao assim se expressar, ela não estava falando sobre a troca de farinhas profissional, competente, que deve permear o trabalho coletivo em função do bem comum. Essa é importante, aconselhável, necessária e louvável. Mas, não era a essa que ela se referia e da qual desejo tratar agora. Muito menos daquela troca de farinhas que se baseia no toma lá dá cá. Essa é desanimadora, porque evidencia o objetivo intencional, de alguns indivíduos, para beneficiarem-se, conseguindo vantagens pessoais, geralmente prejudicando alguém ou a coletividade.
A troca de farinhas a que se referia Madalena corresponde a um dos mais belos sentimentos da natureza humana: a gratidão. Que não é outra coisa senão o reconhecimento pelo respeito que nos é concedido pelo outro. Respeito que resulta da convivência, das oportunidades de desenvolvimento pessoal, trocas de experiências, boas risadas, lágrimas sofridas, quitutes partilhados, saberes divididos, espaços dignos e verdadeiros.
Em sua sabedoria, ela reforça a minha compreensão e certeza de que a vida é uma troca de farinhas quando é natural, espontânea e desinteressada. Quando tem origem na constatação de que “somos todos interligados”, como já afirmava Darwin.
Isto não garante que a troca de farinhas ocorra sempre em uma relação direta. Como a que acontecia entre a minha avó Olívia e dona Lavínia. Ambas faziam deliciosos pães caseiros. E, às quintas-feiras, pronta a fornada, minha avó separava o pão mais bonito e crescido e o reservava para que siá Nana o levasse, em vasilha especial e coberto com pano bordado e engomado, para a Comadre Lavínia, amiga e vizinha. Nas sextas-feiras, a mesma vasilha, coberta com o mesmo pano, retornava. Era a retribuição, feita com o pão mais bonito e crescido, ainda quente, feito por dona Lavínia. Cada vez fica mais claro, para mim, que esta verdadeira troca de farinhas simbolizava muito mais do que a troca em si mesma.
A troca de farinhas toma rumos inesperados. Tenho certeza, existe uma cadeia intangível. Ela excede, extrapola os limites do concreto, do abstrato e do imaginário. Quando menos se espera, uma farinha antiga, esquecida, nos é retribuída por personagens desconhecidos e imprevisíveis. Assim é. Trata-se de uma lei. Lavrada no universo.
Ela já se foi. Foi e não foi; porque, na verdade, está sempre comigo. Nunca deixou de me socorrer nas horas de sufoco, tristezas ou inesperados. Bastava só mandar um recado:
- Diga a Madalena que estou precisando dela.
Ela sempre vinha prontamente. Negra. Cabo Verde. Bonita. Feliz. Risonha. Era doutora no que sabia. Bastava chegar e tudo parecia melhorar.
Quando eu lhe agradecia, ela respondia:
- Não carece, dona Lucila. É só uma troca de farinhas.
Ao assim se expressar, ela não estava falando sobre a troca de farinhas profissional, competente, que deve permear o trabalho coletivo em função do bem comum. Essa é importante, aconselhável, necessária e louvável. Mas, não era a essa que ela se referia e da qual desejo tratar agora. Muito menos daquela troca de farinhas que se baseia no toma lá dá cá. Essa é desanimadora, porque evidencia o objetivo intencional, de alguns indivíduos, para beneficiarem-se, conseguindo vantagens pessoais, geralmente prejudicando alguém ou a coletividade.
A troca de farinhas a que se referia Madalena corresponde a um dos mais belos sentimentos da natureza humana: a gratidão. Que não é outra coisa senão o reconhecimento pelo respeito que nos é concedido pelo outro. Respeito que resulta da convivência, das oportunidades de desenvolvimento pessoal, trocas de experiências, boas risadas, lágrimas sofridas, quitutes partilhados, saberes divididos, espaços dignos e verdadeiros.
Em sua sabedoria, ela reforça a minha compreensão e certeza de que a vida é uma troca de farinhas quando é natural, espontânea e desinteressada. Quando tem origem na constatação de que “somos todos interligados”, como já afirmava Darwin.
Isto não garante que a troca de farinhas ocorra sempre em uma relação direta. Como a que acontecia entre a minha avó Olívia e dona Lavínia. Ambas faziam deliciosos pães caseiros. E, às quintas-feiras, pronta a fornada, minha avó separava o pão mais bonito e crescido e o reservava para que siá Nana o levasse, em vasilha especial e coberto com pano bordado e engomado, para a Comadre Lavínia, amiga e vizinha. Nas sextas-feiras, a mesma vasilha, coberta com o mesmo pano, retornava. Era a retribuição, feita com o pão mais bonito e crescido, ainda quente, feito por dona Lavínia. Cada vez fica mais claro, para mim, que esta verdadeira troca de farinhas simbolizava muito mais do que a troca em si mesma.
A troca de farinhas toma rumos inesperados. Tenho certeza, existe uma cadeia intangível. Ela excede, extrapola os limites do concreto, do abstrato e do imaginário. Quando menos se espera, uma farinha antiga, esquecida, nos é retribuída por personagens desconhecidos e imprevisíveis. Assim é. Trata-se de uma lei. Lavrada no universo.
(*)Lucila Rupp de Magalhães (1944 – 2004), Catarinense de Campos Novos, pedagoga, escritora, professora e ex-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA, autora do livro “Aprendendo a lidar com gente: relações interpessoais no cotidiano” (Salvador: EDUFBA, 1999).
Nenhum comentário:
Postar um comentário