sexta-feira, 18 de junho de 2010

Introdução

Valor simbólico da alimentação

Nosso trabalho buscou abordar o valor simbólico da alimentação problematizando as relações entre laço afetivo e alimentação.

Além disso, através da discussão e debate dentro de vários contextos focamos o desenvolvimento de nossa pesquisa nos ambientes educativos formais e não formais (informais).

Consideramos conceitos importantes como comensalidade, simbologia, mitologia e família e como estes conceitos são simbolizados dentro da cultura brasileira como, por exemplo, nas relações de amizade e rituais religiosos.

Aproveitando todo o contexto estudado aprofundamos na importância do reflexo alimentação na idade e na situação sócio-econômica dos indivíduos.

E por último para ilustrar iremos apresentar uma dinâmica e o relato da experiência vivenciada por um dos integrantes do grupo, Guilherme Macedo, na Educação com jovens e adultos.

Conceitos: Comensalidade simbologia, mitologias e família

Segundo Daniel e Cravo (2005) "a seleção [...] e a proibição de certos alimentos existem em todos os grupos sociais e são norteados por regras sociais diversas, carregadas de significações."[1] Algumas dessas significações, de acordo com Tassara (2006) são símbolos.
"Os alimentos simbolizam costumes, culturas, estados emocionais, relações sociais e certamente muitas outras coisas"[2]

Além de significações individuais, Daniel e Cravo (2005) ainda defendem que "[...] o modo de preparar e servir certos alimentos exprime identidades sociais, confirmando assim o caráter simbólico da comida."
[3] O ser humano "depende de crenças para construir sua identidade pessoal, familiar e cultural"[4] e algumas dessas crenças são refletidas nas relações individuais e sociais com a comida.

Portanto, a comensalidade permeia todas as relações sociais nas sociedades humanas, bem como nas diferentes classes sociais de uma mesma sociedade, apresentando sempre uma dimensão cultural.
[5]

Em ambientes familiares, de acordo com a "perspectiva sistêmica, o fenômeno transgeracional trata de valores e crenças que são compartilhados com as gerações posteriores das famílias, apoiando-se em mitos familiares que configuram as histórias dos grupos estudados"[6]. Ainda, ajudam, na visão de Ruiz Correa (2000 apud. Lisboa, Feres-Carneiro, Jablonski, 2007) a "reafirmar uma aliança social, valendo-se da prática do sentimento de pertença, em que o “nós” possa ser praticado"[7].

A transmissão intergeracional permite continuar a identidade de uma família através de um legado estruturante de rituais e mitos, por exemplo, no qual

Cada família tem uma vida cotidiana com um estilo de “estar junto”
[8] [...] garantindo formas de expressão e de comunicação dos afetos, das lembranças e da história propriamente dita através das gerações. Ainda, estes processos são constituídos por práticas sociais carregadas de simbolismo

Nessa perspectiva apontada por Coelho (2005 apud. Tassara, 2006)

É a família o principal agente socializador, pois o sujeito só internaliza o sistema simbólico por meio da identificação afetiva com os agentes significativos, isto é, aprende como eles se inserem na sociedade e como a reproduzem, como são, como exercem seus papéis.[9]


Referências bibliográficas

DANIEL, Junbla Maria Pimentel; CRAVO, Veraluz Zicarelli. Valor Social e Cultural da Alimentação. In: CANESQUI, Ana Maria; GARCIA, Rosa Wanda (org.). Antropologia e Nutrição: um diálogo possível. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2005. P.57-68.

LISBOA, Aline Vilhena; FERES-CARNEIRO, Terezinha; JABLONSKI, Bernardo. Transmissão intergeracional da cultura: um estudo sobre uma família mineira. Psicol. estud., Maringá, v. 12, n. 1, abr. 2007. Disponível em: «http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722007000100007&lng=en&nrm=isso». Acesso em 01 abr. 2010. Doi: 10.1590/S1413-73722007000100007.

TASSARA, Valéria. Obesidade na infância no contexto sociofamiliar: possibilidades de (des)construção e (res)significação de identidades (pré)escritas. Faculdade de Medicina/UFMG, Belo Horizonte, 2006. Dissertação. Disponível em «http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/». Acesso em 17 mar. 2010. 137pp.

[1] DANIEL & CRAVO, 2005. P.57.
[2] Fonseca et. al. 2001 apud. TASSARA, 2006. P.51-52.
[3] DANIEL & CRAVO, 2005. P.57.
[4] TASSARA, 2006. P.69.
[5] DANIEL & CRAVO, 2005. P.61.
[6] MARQUES, 2000 apud. TASSARA, 2006. P.69.
[7] RUIZ CORREA, 2000 apud. LISBOA, FERES-CARNEIRO, JABLONSKI, 2007. P.54.
[8] LISBOA, FERES-CARNEIRO, JABLONSKI, 2007. P.53.
[9] COELHO, 2005 apud. TASSARA, 2006. P.70.

Os laços afetivos na alimentação

As relações de amizade na sociedade brasileira são permeadas por trocas de alimentos

“Segundo a boa tradição de cortesia, deve-se mandar a todos(alimentos); na prática aos preferidos ou mais próximos”(Lévi-Satrauss, 1976:25). A tradição de enviar alimentos aos amigos mais próximos, aos vizinhos e a outros colegas, é um exemplo de simbologia da alimentação, uma vez que o objetivo dessa troca é agradar ao colega mais do que simplesmente alimentá-lo. As relações de vizinhança também caracterizam-se por trocas de comidas e novas receitas.

A comensalidade também está presente em palcos de grandes decisões políticas que nem sempre é o plenário da Câmara ou o Palácio do Governo. De modo geral, durante reuniões em almoços e jantares é que se cria um clima ideal para a realização dos grandes conchavos políticos.

O caráter simbólico dos alimentos nos rituais religiosos

Igreja Católica
Jejum:
Aconselha a abstinência de carne e mesmo o jejum (privar o corpo da alimentação durante um período de tempo visando “enfraquecer a carne” e “fortalecer o espírito”) em datas santificadas.

Ritual da Eucaristia
Incentiva a participação dos fiéis no alimento fundamental do cristianismo que é a Eucaristia, o corpo e o sangue de Cristo consubstânciado (o pão e o vinho tonam-se um pedaço do corpo de Cristo que fora morto na cruz em favor dos pecadores).

Pecado da gula
A gula é, para a igreja católica, um dos sete pecados capitais. Demonstra-se, dessa forma o controle da Igreja sobre os hábitos alimentares.

Os espíritas

Abstém de alimentar-se da carne na ocasião da participação numa mesa de trabalho, embora tenham esse hábito normalmente porque acreditam que o alimento produz uma baixa vibração e dificulda a comunicação com os espíritos mais elevados.

A obtenção de favores das entidades é retribuída com a “comida de santo” que pode ser claramente observada nas cenas de despacho em encruzilhadas ou nos cemitérios.

Curiosidade: Os vegetarianos enfatizam a importância de certos alimentos para o equilíbrio físico e emocional do homem. Muitas vezes esses grupos são adeptos do esoterismo que preconiza para o exercício de elevação espiritual uma dieta alimentar específica.


Relações Sociais e Alimentação

Os alimentos se diferenciam também dependendo de idade, saúde, situação social e outras variáveis.

Em todas as idades, encontramos uma alimentação entendida como apropriada para aquela faixa etária, em função das representações sobre o significado do alimento conforme idade, sexo e papéis sociais.

A sociedade recomenda às crianças e aos jovens uma alimentação à base de vitaminas e proteínas, com a finalidade de compensá-las pelo desgaste de energia. As crianças e os jovens, no entanto, têm suas próprias idéias a respeito do que é mais agradável comer (...) Existe, neste sentido, um processo de socialização que procura mostrar a eles que tais alimentos podem ser gostosos, mas não nutritivos e podem ser prejudiciais (...)

Entretanto, essas questões passam pelo poder aquisitivo dos segmentos sociais, e nesse tipo de alimento, considerado não nutritivo, tem um espaço muito maior nas classes abastadas do que nas famílias de baixa renda.

Os adultos (...) já socializados dentro de certos padrões alimentares, vivem uma situação conflituosa entre comer aquilo que é apreciado em nossa cultura (...) Sabemos que os alimentos gordurosos devem ser evitados não só para impedir doenças arterioscleróticas, mas também para atender a padrões estéticos que valorizam o corpo magro e atlético.

Os velhos (...) Dependendo da classe social, podem fazer uso de regimes alimentares rigorosos (...) Outros, entretanto, que não possuem uma condição material privilegiada, continuam na dieta alimentar que sempre tiveram, ou até mesmo com um teor nutritivo inferior, pois a aposentadoria reduz o poder aquisitivo do trabalhador.

Não só existe uma comida especial para cada faixa etária como ela também constitui uma variável importante na diferenciação entre ricos e pobres. O conceito de pobreza e riqueza, do ponto de vista do pobre, passa pela ‘despensa cheia’. Rico é aquele que tem alimento em abundancia, pobre o tem em escassez e dele faz uso de forma diferente.

(...) o tipo de comida e o horário, assim como os hábitos alimentares, são considerados importantes marcadores das diferenças entre os pobres e os ricos.


Outros aspectos da comensalidade

Existem alimentos que são comida e outros não o são (...) não são comida porque não sustentam, não ‘enchem a barriga’, não satisfazem, não são ‘fortes’.

O pobre tem necessidade de sentir-se de barriga cheia (...)

Alimentos considerados leves, complementares, mas preferidos pelos ricos.

A ‘mistura’ ou uma comida variada pode, eventualmente, ocorrer no domingo, marcando assim o tempo de lazer, o tempo do não-trabalho, das reuniões familiares.

Senso comum

Informações necessárias para um regime alimentar que pode resolver os problemas de alteração de saúde, bem como evitar que eles ocorram.

Alimentos que fazem mal ao ‘fígado’ (...) órgão culpado de todas as indisposições digestivas. O outro grande responsável é a ‘vesícula’.

Para resolver os problemas provocados por esses órgãos, a sabedoria popular é rica em recomendar a inclusão de alguns alimentos, bem como a exclusão de outros.

Uma pessoa doente deve comer alimentos leves (...) e deve incluir nas dietas alguns chás que facilitam a digestão e agem diretamente sobre esses órgãos, como o chá de boldo.

Conceito de intoxicação como conseqüência da prisão de ventre ainda perdura nas representações... Disto aproveitam fabricantes, com propagandas tipo: ‘se está... tome...’
O uso de purgativo com a finalidade de limpeza ainda perdura entre os leigos.

O período de ‘resguardo’ da parturiente obedece a um regime alimentar severo para garantir a recuperação da mãe e a qualidade do leite para a criança (...) alimentos são indicados para restabelecer a parturiente, mas também para produzir leite de alto teor nutritivo (...) segundo as representações, a mãe que não se alimenta adequadamente pode até ter leite abundante, mas não satisfaz a criança, porque o leite é ‘fraco’.

segundo as representações, a mãe que não se alimenta adequadamente pode até ter leite abundante, mas não satisfaz a criança, porque o leite é ‘fraco’.

Normas no que diz respeito à mistura de alimentos.

Prescrições quanto ao horário de ingestão de certos alimentos.

Lógica da comensalidade brasileira

No ato de comer estão implícitas duas situações: ‘eu como para viver’ e ‘eu vivo para comer’.

‘eu como para viver’

É considerada apenas a instrumentalidade da ingestão de alimentos, ou seja, levam-se em conta os aspectos universais da alimentação (sustentar o corpo, obter energias e proteínas).

‘eu vivo para comer’

Quando (...) o ato de comer e a própria comida se revestem de aspectos morais e simbólicos (...)

O ato de comer obedece a regras de etiqueta (...) observadas pelos diferentes segmentos sociais.

Comer exageradamente e com muita freqüência é um indicativo de falta de educação, pois tal comportamento sugere uma pessoa ‘gulosa’, ‘esganada’, que só pensa em comer, aspecto que em ultima análise nivela o homem ao animal.

O brasileiro vive outras normas que recomendam várias refeições ao dia.

Os padrões culturais que orientam a comensalidade contem, simultaneamente, o ‘viver para comer’ e o ‘comer para viver’.

O ‘comer para viver’ e o ‘viver para comer’ se diferenciam fundamentalmente ainda que não sejam excludentes (...) o primeiro se relaciona com a sobrevivência, o segundo se relaciona com a vida social, isto é, o cotidiano familiar, casamentos, batizados, aniversários, reuniões políticas ou religiosas.

Modo de viver e pensar a comensalidade, não é o único (...) se manifesta diferentemente nas sociedades humanas.

Conclusões e considerações finais

Numa sociedade como a nossa, na qual a maioria da população é considerada de baixa renda, em que o poder aquisitivo é constantemente reduzido pelas crises socioeconômicas, o acesso ao alimento se torna cada vez mais difícil, fazendo crescer os problemas da subnutrição.

Problemas de alimentação inadequada podem ocorrer não só por razões econômicas (...) questão de estética (...) razões psicológicas (...) fatores culturais.

Seja pela abundancia de alimentos entre os ricos ou pela escassez entre os pobres, (...) por diversidade das condições de classe, regionalismos e tradições, existe um amplo campo de atuação profissional da nutrição em face da realidade brasileira (...) várias situações que enumeramos servem para o nutricionista pensar a diversidade sociocultural.

Procuramos demonstrar é que os hábitos alimentares obedecem a um código não só econômico ou utilitário, mas principalmente simbólico.

Necessária (...) uma conscientização por parte dos especialistas da saúde para que se entendam as especificidades das situações consideradas, as quais sempre passam pela dimensão simbólica dos grupos.

Perspectiva da complexidade

O homem não vem geneticamente preparado para a vida social; ele necessita dos elementos culturais para informar sua ação (...) precisa estar inserido num processo simbólico, do qual é criador e criatura (...) que vai lhe dizer (...) o quê, quando, com quem, onde e como deve comer. Isso é muito mais complexo do que simplesmente satisfazer o instinto da fome (...) este último desempenha um papel importante em relação ao sistema simbólico. É da dinâmica entre ambos que se atualizam os hábitos alimentares (...) é correto dizer que o alimento carrega um valor ao mesmo tempo utilitário e simbólico.

A proibição ou prescrição de alimentos (...) teoria popular, repousam numa certa observação e experimentação, (...) apesar de se diferenciarem dos modelos científicos oficiais, não devem ser consideradas irracionais ou desprovidas de uma lógica e/ou de uma consistência interna, mas (...) devem ser captadas pela riqueza que contem.

Cabe, portanto, ao nutricionista evitar uma postura dominadora, em que o seu saber cientifico é o verdadeiro e o do cliente é ignorante ou rebelde (...) não deve levar o seu conhecimento pronto ao grupo, mas construí-lo a partir do saber do outro.

Relação nutricionista-cliente: é aparentemente muito familiar; no entanto, o nutricionista, ao tentar estabelecer uma dieta alimentar, percebe a complexidade do processo (...) esse cliente já é expressão de um código simbólico que o orientou nas suas ações, inclusive na prática alimentar, e já tem uma série de representações sobre os alimentos, apreendidas no contexto social em que foi educado. Fundamental, portanto, uma postura relativizadora.

Relato de Experiência - Guilherme Macedo

Valor simbólico da alimentação: relato de experiência e possibilidades de trabalho na escola
Guilherme Queiroz de Macedo

O presente relato de experiência expõe uma das possibilidades de trabalho do valor simbólico da alimentação na escola. Resultado da realização de estágio-pesquisa em uma classe noturna de Alfabetização de Jovens e Adultos, em uma Escola da Rede Pública Municipal de Ensino da Regional Pampulha, em Belo Horizonte, durante o período de 25.08.2009 a 24.11.2009.

Consideramos as dimensões objetivas e, sobretudo, subjetivas que envolvem o valor simbólico da alimentação e da vida saudável em vários contextos, dentre os quais o escolar, conforme proposto em documento da CNSAN – Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, intitulado “Alimentação e Promoção de Modos de Vida Saudáveis”, que incluem o gosto, o prazer, os valores, as questões simbólicas, as emoções e as relações sociais – os indivíduos e grupos com quem convivemos e que afetam nossas escolhas (CNSAN, 2004).

O mesmo documento observa que as ações educativas em saúde e nutrição devem ser desenvolvidas para além da simples transmissão de informações e conhecimentos, envolvendo troca de vivências e construção conjunta de estratégias para tornar a alimentação mais saudável, nos vários espaços da sociedade (CNSAN, 2004).

Dentre as observações realizadas, relatamos a realização do Projeto Alimentação e Vida Saudável, o qual realizou várias atividades que mostram as diversas possibilidades de trabalho na escola do valor simbólico da alimentação, considerando o contexto da realidade sócio-econômica e cultural vivenciado pelos alunos jovens e adultos do Noturno.

Quando iniciamos o estágio-pesquisa na Escola, o Projeto já se encontrava em andamento desde o início do mês de agosto de 2009, com culminância prevista para o mês de novembro de 2009.
As justificativas que fundamentaram a apresentação do Projeto consideraram vários aspectos da realidade sócio-econômica e histórico-cultural vivida pelos alunos jovens e adultos do Noturno da Escola:

Tendo em vista que os alunos do Ensino Noturno de nossa escola trabalham o dia todo e vêm direto para a aula, preocupa-nos a qualidade de vida dos mesmos.
São, em sua maioria, de condições sócio-econômicas precárias e não tem condições de se esmerar na preparação de sua alimentação.

Foram também destacadas as razões que levaram o coletivo dos docentes e coordenação pedagógica do Noturno da Escola a realizarem o Projeto:

Por isso, ao longo do de ano desenvolveremos um projeto de orientação sobre alimentação saudável, alternativas nutricionais de baixo custo e alimentos alternativos preparados com partes de verduras e legumes que normalmente são desprezados pelo consumo familiar.

Neste projeto, daremos ênfase a importância das frutas, verduras, legumes, cereais, etc. Serão trabalhados os nutrientes de cada grupo de alimentos, bem como a função dos mesmos para o corpo humano.

Além dos objetivos “escolares” propostos para o desenvolvimento do projeto, dentre os quais: desenvolver a leitura e a escrita, trabalhar as diversas tipologias naturais dos alimentos, conscientizar sobre a importância da boa alimentação, mostrar alternativas de baixo custo para uma alimentação nutritiva, ensinar a preparar receitas praticas de alimentos nutritivos, dentre outros, gostaríamos de salientar um deles, o qual relaciona-se ao valor simbólico e afetivo da alimentação – melhorar o relacionamento interpessoal e entre todas as turmas do Noturno, dos alunos e professores.

Dentre as ações previstas e realizadas durante o desenvolvimento do projeto, foram enfatizadas aquelas propriamente “escolarizadas”, dentre as quais:

*Utilizar o tema do projeto nas diversas disciplinas para informar sobre alimentação saudável, nutrientes, composição dos alimentos, função dos grupos de alimentos, etc.
*Utilizar diversos tipos de texto como receitas, informativos, descritivos, etc para o aprimoramento da leitura e da escrita dos alunos nas diversas fases de desenvolvimento dos mesmos.
*Confeccionar cartazes ilustrativos e informativos sobre o tema.
*Coletar entre os alunos receitas que sabem fazer e eleger aquelas que serão preparadas.
*Trabalhar as receitas selecionadas na produção textual e na matemática.

Durante a realização do estágio-pesquisa, registramos em Caderno Diário de Campo as ações previstas para serem desenvolvidas no projeto, dentre as quais destacamos o trabalho com o gênero textual Receita, na qual foram discutidas com os alunos jovens e adultos do noturno as diferenças entre receita culinária e médica, dentre outros aspectos:

Atividade Receita. Tipo de texto: Receita. Que outros tipos de receita V. conhecem? Só mulheres fazem receitas? (Recorte de gênero). Tem receitas só de coisa de comer? Que partes a receita se divide? Quantas partes? Um aluno lembrou da bula. Perigos da automedicação. Comparação receitas culinária e médica. Noção de quantidade (receitas). A Professora perguntou se alguém tinha alguma receita médica. A professora comenta que tem pessoas que sabem fazer receitas na prática e não são alfabetizadas. Trabalho com revistas, recortes palavras com vogais A/O/U, sílabas com apenas uma letra/vogal, pelo menos 04 palavras de cada, colar. A professora encerra a atividade, registrando no quadro as palavras construídas pelos alunos. (Caderno Diário de Campo, 08.09.2009).

As atividades eram retomadas pela professora junto aos alunos da turma de alfabetização de jovens e adultos observada, salientando os aspectos que envolviam a leitura e a escrita importantes na interpretação e discussão do gênero textual Receita Culinária:

A professora retoma a receita do bolinho de banana, realizando uma atividade em sala. Localize as palavras erradas, circule-as e depois, pense: “como eu escreveria essa palavra”? A professora registra no quadro (...) Atividade do Jogo de 7 erros: consistia em descobrir os erros de ortografia, grafia errada e escrevê-las corretamente no caderno. Identificar a palavra errada, consertar a palavra, escrevendo corretamente. A professora informa que irá mandar buscar o dicionário, mas pediu aos alunos que tentassem procurar sem auxílio do dicionário. Mas esclareceu que, mesmo assim, é mais uma atividade: como procurar uma palavra no dicionário. A professora pergunta a um aluno: por que você acha que esta palavra está errada? (...) A professora distribuiu a receita correta do leite condensado caseiro e modo de fazer. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

Para além da abordagem “escolarizada” do gênero textual Receita Culinária, a professora desenvolveu atividades práticas que envolveram a preparação da receita junto com as cantineiras da escola, contemplando os aspectos sócio-afetivos, culturais e simbólicos de uma boa alimentação para uma vida saudável, não deixando de colocar questões para os alunos pensarem, envolvendo os componentes curriculares de português e matemática:

Depois do intervalo: Preparação da Receita do Bolinho de Banana na cantina. Dúvidas colocadas: 5 colheres de açúcar (que medida?). Que colher é essa? Que tipo: de sopa, de café, de chá? Todos vão para a cantina preparar a receita. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

No entanto, observamos que os aspectos histórico-culturais que envolvem a alimentação – sobretudo no seu preparo – permanecem ainda nas relações de gênro da sala, tendo em vista que na divisão das tarefas e nas atividades desenvolvidas na cantina da escola observamos um recorte de gênero: as alunas (03) descascam e amassam as bananas. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

Na problematização do conteúdo da receita culinária, a professora colocou algumas questões que envolvem a clareza na redação e, sobretudo, nas medidas, por se tratar de um texto que deve ser padronizado matematicamente, para que seja entendido por qualquer pessoa que vai preparar o prato, o que muitas vezes não acontece:

E pergunta: para uma receita são 6 bananas e para 3 receitas são: os alunos respondem 18 bananas. A Professora pede inicialmente que os alunos (04) contem as bananas (19). A professora pergunta aos alunos: 4 colheres de farinha de trigo é para uma receita. Para três receitas são: os alunos respondem 12. Cinco colheres de açúcar é para uma receita. Para 3 receitas são: os alunos respondem 15. A professora pede aos alunos que pensem novamente na questão colocada na sala. E afirma que o texto pode conter erros, ser criticado: xícara (que medida?), copo (que medida?). Qual é a solução para harmonizar, resolver o problema. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

A professora propõe a questão durante a preparação da receita e pede para que os alunos pensem e reflitam observando o trabalho executado na cantina da escola para depois debaterem em sala, enquanto a receita fosse finalizada pelas cantineiras:

Pensem e depois respondam (após a preparação da receita). Enquanto isso, a professora pede aos alunos para pensarem sobre a questão proposta na sala: qual a solução para tornar as medidas (colher, xícara, copo) fáceis de serem entendidas por qualquer pessoa que leia ou faça a receita? Que colher? Que copo? Que xícara? Que medida? A professora pergunta aos alunos que solução diferente deveria existir em toda receita? Um aluno responde que deve ser expressa em números, em gramas. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

Ouvindo as opiniões dos/as alunos/as e salientando que o que está escrito na receita culinária também pode ser mudado, como qualquer outro gênero textual, abrindo espaço também para a participação das cantineiras na discussão de como melhor preparar a receita culinária: a professora comenta que a receita pode e deve ser mudada na falta de algum ingrediente (canela). As cantineiras (03) participam e opinam também. A massa é preparada para ser fritada pelas cantineiras. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

Após retornarem a sala, a professora problematiza com os/as alunos/as a prática de preparação da receita, particularmente se as instruções contidas no gênero textual estavam claras e corretas, relacionando-as com os componentes curriculares de português e matemática trabalhados em sala:

Todos retornam para a sala. Os alunos pensaram a solução das medidas na receita e a professora registra no quadro a receita com as correções. E pergunta: como transformar colheres em gramas? Qual colher? Como que pode medir em gramas? Tem dosadores graduados. E afirma que uma receita, um texto copiado não significa que está certo. Importante observar, ver alguém fazer. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).
Desenvolvendo uma atividade escrita, a professora sistematiza as discussões e debates realizados com os/as alunos/as:

Atividade folha: pintando e descobrindo o que está escrito na Receita. Crítica do gênero textual receita: importância de saber o que é e de fazer uma crítica do conteúdo/tipo de texto. Conhecer os gêneros textuais. Organizar o texto no caderno de acordo com as características do gênero textual receita. A professora avisa que, na semana da criança, vamos fazer a receita (dia do bingo). Os alunos discutem entre si o que deve ser colorido na receita emendada. A professora pede aos alunos para olhar a receita anterior para copiar a outra receita corretamente no caderno. (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

Mas o projeto desenvolvido caminhou para além de uma simples abordagem “escolarizada” envolvendo alimentação e vida saudável, propondo e realizando atividades que envolviam a dimensão afetiva e simbólica da alimentação, na medida em que reuniu alunos/as, professores/as, coordenação pedagógica do noturno, direção e, sobretudo, a comunidade escolar no denominado Jantar da Primavera, cuja temática específica escolhida em 2009 foi nomeada de Jantar Verde Amarelo, evento anual tradicional realizado pela Escola no turno da Noite, o qual não se esqueceu do aspecto simbólico, preocupando-se inclusive com a decoração dos pratos e do pátio da escola:

Programar com os alunos um jantar onde sejam preparadas as receitas selecionadas, primando pela qualidade nutricional das mesmas.
Decorar o pátio da escola com material reciclado, flores, balões e outros para ambientar o espaço para o jantar.
Preparar os pratos do jantar, junto com os alunos, sendo que cada turma se responsabilizara por um item do jantar.
Realizar, no dia 17/11/2009 um JANTAR VERDE AMARELO, para alunos e professores do Ensino Noturno.

Em seguida, a professora faz o fechamento da atividade com os alunos, que envolve aspectos para além da dimensão “escolar”, contemplando as dimensões sócio-afetivas e simbólicas envolvendo alimentação e vida saudável: o bolinho de banana chega na sala. Todos provam, comentários. A cantineira recomenda mais canela e um pouco de sal (“uma pitada”). (Caderno Diário de Campo, 15.09.2009).

A proposta de avaliação das atividades desenvolvidas pelo projeto envolveram, além dos aspectos cognitivos e de ensino-aprendizagem, as dimensões formativas e atitudinais dos/as alunos/as da EJA/Noturno, dentro de uma perspectiva contínua e formativa:

A avaliação será de forma continuada, observando-se o interesse e o empenho dos alunos em cada fase do projeto.
Também serão avaliadas as produções de textos, atividades em matemática e demais atividades executadas em aula nas diversas disciplinas.

A observação dos professores deverá, inclusive, apontar o aluno destaque em assiduidade e em desempenho no projeto para receber o premio de destaque da turma.

A realização da atividade de culminância do projeto foi antecipadamente divulgada e discutida com os/as alunos/as do noturno da escola, envolvendo principalmente a participação deles/as na preparação do Jantar da Primavera, contemplando a dimensão formativa proposta pelo projeto:

A professora avisa sobre o Jantar da Primavera, na 5ª. feira, 12.11.2009, onde será trabalhada a questão alimentar, enfatizando a alimentação saudável. (Caderno Diário de Campo, 20.10.2009)
Aviso sobre o Jantar da Primavera, em 12.11.2009. (Caderno Diário de Campo, 03.11.2009)
Jantar da Primavera adiado de 12.11.2009 para 17.11.2009, devido a Avaliação Externa do SIMAVE (...) Discussão com os alunos das frutas, legumes e verduras que deveriam levar para o Jantar da Primavera. (Caderno Diário de Campo, 10.11.2009)

Os recursos materiais e financeiros necessários para a efetivação do projeto pelo coletivo docente do noturno foi viabilizado pela coordenação pedagógica e direção da Escola, contando também com a participação dos alunos, que contribuíram na medida de suas possibilidades econômico-financeiras e consistiu em:

*Aluguel de cadeiras e mesa para o jantar.
*Compras de frutas e outros itens alimentícios para complementar o que os alunos trazerem
*Aquisição de flores para os alunos de uma das turmas ornamentarem o espaço do jantar.
*Confecção de medalhas e diplomas para premiação dos alunos que se destacarem em aproveitamento.
*Revelação de fotos do evento.

O Jantar da Primavera 2009, cujo tema alimentação saudável (frutas e saladas) foi realizado na noite de 17 de novembro de 2009.

Dinâmica - A importância da troca de farinhas

Lucila Rupp de Magalhães (*)

Ela já se foi. Foi e não foi; porque, na verdade, está sempre comigo. Nunca deixou de me socorrer nas horas de sufoco, tristezas ou inesperados. Bastava só mandar um recado:
- Diga a Madalena que estou precisando dela.
Ela sempre vinha prontamente. Negra. Cabo Verde. Bonita. Feliz. Risonha. Era doutora no que sabia. Bastava chegar e tudo parecia melhorar.
Quando eu lhe agradecia, ela respondia:
- Não carece, dona Lucila. É só uma troca de farinhas.
Ao assim se expressar, ela não estava falando sobre a troca de farinhas profissional, competente, que deve permear o trabalho coletivo em função do bem comum. Essa é importante, aconselhável, necessária e louvável. Mas, não era a essa que ela se referia e da qual desejo tratar agora. Muito menos daquela troca de farinhas que se baseia no toma lá dá cá. Essa é desanimadora, porque evidencia o objetivo intencional, de alguns indivíduos, para beneficiarem-se, conseguindo vantagens pessoais, geralmente prejudicando alguém ou a coletividade.
A troca de farinhas a que se referia Madalena corresponde a um dos mais belos sentimentos da natureza humana: a gratidão. Que não é outra coisa senão o reconhecimento pelo respeito que nos é concedido pelo outro. Respeito que resulta da convivência, das oportunidades de desenvolvimento pessoal, trocas de experiências, boas risadas, lágrimas sofridas, quitutes partilhados, saberes divididos, espaços dignos e verdadeiros.
Em sua sabedoria, ela reforça a minha compreensão e certeza de que a vida é uma troca de farinhas quando é natural, espontânea e desinteressada. Quando tem origem na constatação de que “somos todos interligados”, como já afirmava Darwin.
Isto não garante que a troca de farinhas ocorra sempre em uma relação direta. Como a que acontecia entre a minha avó Olívia e dona Lavínia. Ambas faziam deliciosos pães caseiros. E, às quintas-feiras, pronta a fornada, minha avó separava o pão mais bonito e crescido e o reservava para que siá Nana o levasse, em vasilha especial e coberto com pano bordado e engomado, para a Comadre Lavínia, amiga e vizinha. Nas sextas-feiras, a mesma vasilha, coberta com o mesmo pano, retornava. Era a retribuição, feita com o pão mais bonito e crescido, ainda quente, feito por dona Lavínia. Cada vez fica mais claro, para mim, que esta verdadeira troca de farinhas simbolizava muito mais do que a troca em si mesma.
A troca de farinhas toma rumos inesperados. Tenho certeza, existe uma cadeia intangível. Ela excede, extrapola os limites do concreto, do abstrato e do imaginário. Quando menos se espera, uma farinha antiga, esquecida, nos é retribuída por personagens desconhecidos e imprevisíveis. Assim é. Trata-se de uma lei. Lavrada no universo.

(*)Lucila Rupp de Magalhães (1944 – 2004), Catarinense de Campos Novos, pedagoga, escritora, professora e ex-diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA, autora do livro “Aprendendo a lidar com gente: relações interpessoais no cotidiano” (Salvador: EDUFBA, 1999).